Há pouco mais de um ano, a publicitária Duda Borelli foi contratada como analista de marketing em uma startup do setor financeiro, onde seria responsável por gestão de redes sociais. Em seus primeiros contatos e reuniões com o novo chefe direto, percebeu que o superior a tratava de forma pouco profissional, lançando olhares demorados para o seu corpo, fazendo elogios frequentes e comparando-a com a própria mulher.
“Já nos primeiros dias, ele me convidou para sair e tomar uma cerveja, mas achei um pouco forçado e fora de contexto”, diz. Com o passar das semanas, Duda percebeu que o comportamento ‘atirado’ se estendia a outras colegas de trabalho, ao mesmo tempo em que se retraiu no relacionamento com o chefe. “Comecei a agir de forma mais fria no trato e a me policiar no que vestia e em como falava”, conta.
A mudança de comportamento teve consequências: aos poucos, a publicitária começou a ser excluída de reuniões e decisões que diziam respeito à sua área. Foi quando ela decidiu ir ao departamento de recursos humanos denunciá-lo – não exatamente por assédio sexual, mas pela maneira como estava sendo afastada do processo de trabalho.
O executivo que a contratou ouviu e acreditou em seu relato, mas nada aconteceu após a denúncia. “Comecei a ser ignorada pelos diretores homens da empresa, que deixaram até mesmo de me cumprimentar”, diz. A sensação de insegurança e impotência fez com que, menos de três meses depois de ser contratada, Duda decidisse sair da empresa, deixando claro o motivo de seu desligamento.
Longe de ser exceção, casos como o da publicitária são frequentes no Brasil. O Ministério Público do Trabalho (MPT) estima que 52% das mulheres economicamente ativas já foram vítimas de assédio sexual no país. Por medo, constrangimento ou desconhecimento, a maioria desses casos não é denunciada. Muitos não chegam ao abuso físico, mas nem por isso deixam de ser enquadrados na categoria de assédio.
Uma cartilha publicada no ano passado pelo MPT, em parceria com a Organização Internacional do Trabalho, esclarece que há dois tipos principais: por chantagem, quando há exigência de uma conduta sexual em troca de benefícios, ou por intimidação, quando há provocações sexuais ofensivas ou de humilhação no trabalho. Em ambos os casos, o comportamento precisa ser insistente.
Valdirene Silva de Assis, coordenadora nacional do Coordigualdade, órgão do MPT para a promoção de igualdade de oportunidades e eliminação da discriminação no trabalho, explica que o número de denúncias dobrou em 2017 em relação ao ano de 2012, graças ao aumento do debate internacional sobre o tema e à profusão de campanhas de conscientização. Por outro lado, há desdobramentos dessas situações que deixam as vítimas em dúvida sobre a natureza do crime. “Muitas vezes, um assédio sexual malsucedido ou rejeitado pode incorrer em discriminação ou assédio moral, caso a empresa não dê suporte à vítima”, afirma.
Esses são alguns dos motivos pelos quais o desafio de mensurar o tamanho do problema persiste. A subnotificação é outro problema enfrentado por órgãos como o MPT. Um dos poucos levantamentos quantitativos sobre o assédio sexual no país foi publicado no ano passado pelo Grupo de Planejamento, uma entidade sem fins lucrativos que ouviu 1.400 profissionais do mercado de publicidade e propaganda em São Paulo. Nesse setor, 67% das mulheres e 52% dos homens revelam já terem sido vítimas de assédio sexual, enquanto 97% já presenciaram alguma situação do tipo em seu ambiente de trabalho.
A maioria das mulheres também precisou conviver com piadas machistas e comentários constrangedores sobre seus corpos – o que nem sempre configura assédio, mas revela a intimidação sexual nas empresas do setor. “Nossa cultura de trabalho por muito tempo definiu que esses processos e relações são naturais. As empresas e seus líderes precisam assumir uma posição contra o assédio, para que os funcionários saibam que a tolerância é zero e que os casos serão ouvidos e investigados”, afirma Ana Cortat, conselheira do Grupo de Planejamento.
O aumento dos casos denunciados, que colocam as empresas em risco jurídico e reputacional, têm levado muitas companhias a reforçar seus programas de prevenção e combate ao problema. A ICTS Outsourcing, por exemplo, que desenvolve canais de denúncia externos, viu a demanda anual dobrar desde 2014. O sócio-diretor Cassiano Machado explica que os canais são apenas a ponta de um processo que compreende também ações preventivas de informação, implementação de códigos de ética e conduta formais.
Quando uma reclamação chega ao canal, o ideal é que todos os outros passos já tenham sido dados pela empresa. “A partir da denúncia, iniciamos um processo de apuração e verificação que avalia comunicações corporativas diretas e indiretas e até informações obtidas em pesquisas de clima”, afirma. Se a investigação concluir que houve o assédio, a empresa pode decidir por desde orientar o profissional até demiti-lo por justa causa.
A demissão é a medida punitiva adotada pela empresa Stefanini IT Solutions ao encontrar casos de assédio sexual comprovado. No ano passado, a empresa de 13 mil funcionários implementou um programa de compliance, que reforçou o código de ética da empresa e criou um canal de denúncia anônimo para que funcionários pudessem comunicar problemas como assédio sexual e moral. “Ajudou muito na prevenção, já que tivemos casos no passado e as pessoas deixavam de denunciar porque tinham vergonha de falar abertamente sobre o assunto”, afirma Washington Souza, gerente executivo de governança da empresa.
O canal passa por auditorias frequentes e investiga todas as denúncias que recebe, observando o comportamento do acusado no histórico de imagens das câmeras internas, além de sua comunicação via e-mail e chats. “As denúncias são poucas, mas quando o assédio é comprovado, o funcionário é desligado”, diz Souza. Além do canal de denúncia, a empresa usa a TV corporativa para reforçar a cultura anti-assédio e promove treinamentos periódicos para todos os funcionários.
Os treinamentos têm sido uma alternativa popular entre as empresas que querem prevenir o assédio no ambiente de trabalho, explica Robson Vitorino, sócio-fundador da Maxta, que promove cursos sobre o tema. Ele conta que, nos últimos dois anos, vem crescendo o interesse no treinamento sobre assédio sexual e moral, que hoje é um dos mais vendidos pela empresa. “Trabalhamos com duas ações, a de despertar a consciência moral e a de relembrar o risco das punições”, explica. “Muitas empresas pautam seus códigos de conduta na cultura do medo, mas a parte mais negligenciada e que traz resultados de médio e longo prazo é a construção dessa consciência”, diz.
Uma das medidas para engajar funcionários com essa cultura é torná-los responsáveis pelas situações que presenciam ou das quais tenham conhecimento. Em companhias como a TransUnion Brasil, todos os gestores têm a obrigação de comunicar qualquer fato suspeito, e a conivência pode resultar em ações administrativas e até demissão.
“É responsabilidade do líder respeitar e fomentar o ambiente seguro, por isso não é aceitável conviver com uma situação de assédio”, diz Alfredo Ribeiro, diretor de recursos humanos da empresa, que também conta com um canal de denúncias anônimo e treinamentos anuais sobre o código de conduta.
Fonte: anamt.org.br